A Possibilidade de Dinamização do Ônus da Prova e sua Importância na Resolução de Disputas Judiciais
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
- 19 de dez. de 2024
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O ônus da prova é um dos conceitos mais importantes no direito processual. Em termos simples, diz respeito a quem tem a responsabilidade de comprovar determinados fatos em um processo. Imagine-se uma disputa judicial: quem é obrigado a apresentar evidências para sustentar suas alegações? Essa é a essência do ônus da prova, e tem grande relevância a depender do interesse do cliente dentro do processo.
Tradicionalmente, o ônus da prova segue regras fixas: a parte que faz uma alegação precisa prová-la. No entanto, o Código de Processo Civil (CPC), que disciplina as regras do trâmite processual, permite a "dinamização" desse ônus em algumas situações. Significa dizer que, a depender das particularidades do caso, o Juízo pode distribuir entre as partes a responsabilidade por levar determinados elementos probatórios aos autos. Essa dinamização não ocorre de forma automática: depende de uma clara demonstração das condições das partes de produzir a prova.
É importante distinguir a dinamização do ônus da prova e a inversão do ônus da prova. Esse segundo conceito é mais amplamente difundido, sobretudo em demandas envolvendo direito do consumidor. A inversão, exceção à regra processual, determina à parte contrária que apresente a prova, em vez daquela que alega o fato. Tem forte apelo, sobretudo na seara consumerista, para tutelar os direitos de partes que sejam reconhecidamente mais vulneráveis em uma demanda. Mas o instituto não deve ser uma carta branca para que o autor de uma demanda submeta seus pedidos ao Juízo confiando que será relegada à outra parte a responsabilidade de, por meio de provas, desconstruir a narrativa autoral.
É nesse contexto que ganha espaço a possibilidade dinamização do ônus da prova – que exige análise das particularidades do caso e, em consequência, uma decisão judicial fundamentada. Trata-se de uma importante via para ponderar necessidades e possibilidades das partes no que diz respeito à produção probatória (e não se lançar, sumariamente, à mera inversão).
Veja-se, portanto, que a inversão do ônus da prova não é uma imposição, tampouco a única opção no que toca à produção de provas em uma demanda judicial, inclusive em relações de consumo. Analisando as particularidades de cada caso e as condições de cada parte envolvida, é salutar para o processo que o julgador considere a possibilidade de dinamização – e que ambas as partes (inclusive consumidores), no contexto de suas possibilidades, sejam chamadas a contribuir com elementos que viabilizem a resolução da controvérsia.
Os Tribunais têm analisado cuidadosamente a aplicação da dinamização, inclusive destacado que, mesmo em relações de consumo, a dinamização pode ser acolhida, por meio de decisão fundamentada – e evidenciando que a inversão do ônus da prova, mesmo em controvérsias consumeristas, não é necessariamente uma premissa (e que seu pedido igualmente deve ser justificado, não sendo mera consequência de disposição legal).[1]
É o que se tem observado também em demandas envolvendo direito imobiliário. Cita-se, como exemplo, uma ação de rescisão contratual de promessa de compra e venda por suposto atraso na entrega do empreendimento que tramitou no Tribunal Gaúcho (TJRS): mesmo reconhecendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no processo (que não é automática, pendendo de análise casuística), o TJRS referiu que seria “desnecessária a inversão do ônus da prova, pois a questão nodal acerca do atraso se resolve pelos documentos carreados e demais provas produzidas no curso da lide”.[2] Em casos como o mencionado, ambas as partes são instadas a, dentro de suas possibilidades, contribuir para a elucidação das questões controversas.
Em regra, poder-se-ia esperar a inversão do ônus da prova em processos envolvendo direito do consumidor, como na hipótese tratada pelo TJRS. Contudo, o conceito de dinamização permite uma abordagem mais equilibrada, garantindo uma análise mais justa e eficaz dos fatos, aliviando a carga historicamente imposta à empresa (inclusive na condição de fornecedora) e evitando que o litígio se torne excessivamente oneroso para apenas um dos polos.
Esse mecanismo pode trazer benefícios significativos: em casos em que uma das partes faz alegações sem acesso direto a documentos ou informações específicas, a dinamização assegura que ambas as partes contribuam com os elementos probatórios de acordo com suas capacidades. Ainda assim, principalmente para empresas, a melhor prática segue sendo a organização prévia, com atenção para assegurar que a relação entre as partes esteja documentada de forma clara e acessível, registrando todas as etapas de suas atividades e interações, atuando de forma preventiva para subsidiar eventuais discussões em juízo.
Contar com um time de advogados que compreenda as práticas e possibilidades previstas no Código de Processo Civil é essencial para garantir que o ônus da prova seja distribuído de forma justa e equilibrada, evitando que o peso exclusivo da produção probatória recaia indevidamente sobre uma das partes. O time Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados está atento às possibilidades no contexto das regras processuais e à disposição tanto para esclarecer dúvidas, quanto para orientar clientes em relação à produção probatória, seja antes ou durante o curso de um litígio.
Heitor Santos Nunes
[1] AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. GOLPE DO SMS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. As decisões interlocutórias devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da CF e art. 489, § 1º, do CPC). Eventual dinamização do ônus da prova pode se estabelecer tanto pela aplicação da inversão do encargo com base na Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC), como pela própria incidência da previsão processual civil aplicável – § 1º, art. 373, CPC. Seja como for, o pedido e a determinação de inversão do ônus da prova não podem ser genéricos, devendo haver indicação de quais os fatos devem ser demonstrados pelo fornecedor do produto ou dos serviço. No caso, verifica-se que o pedido de inversão do ônus da prova e seu deferimento foram realizados de forma genérica, sem especificar qual a prova que incumbe à parte-autora e que teve seu ônus invertido à parte-ré. Decisão desconstituída. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50017804020248217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 26-07-2024)
[2] Mais ainda, pontuou-se que “Na verdade, ao que parece da confusa apelação interposta, a pretensão de inversão do ônus da prova seria acerca do prazo para a entrega do imóvel e, neste sentido, repito, as partes trouxeram o contrato que celebraram e produziram outras provas, motivo pelo qual deve-se analisar os elementos carreadas aos autos, o que será feito a seguir. (...) Enfim, no caso concreto, não há falar em inversão do ônus da prova para considerar como data de entrega um período posterior àquele contratualmente estabelecido.” (Apelação Cível, Nº 50043205520158210023, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 03-08-2023)