A Propriedade Intelectual abrange os direitos associados a obras editoriais, criativas e acadêmicas, invenções nos mais diversos campos da atividade humana, descobertas científicas, desenhos e modelos industriais, marcas, proteção contra a concorrência desleal e outros direitos relacionados à atividade intelectual nos âmbitos industrial, científico, literário e artístico (Barbosa, 2017). Nesse cenário, bens intangíveis como patentes, marcas, desenhos industriais e softwares vêm ganhando destaque como elementos fundamentais de valorização empresarial, frequentemente superando os ativos físicos tradicionais. Em um contexto econômico cada vez mais digital e imaterial, esses ativos têm papel estratégico ao fomentar a inovação, proteger criações exclusivas e sustentar a competitividade empresarial, fortalecendo marcas e diferenciando-as no mercado global.
A crescente relevância das questões jurídicas relacionadas à Propriedade Intelectual em transações de Fusões e Aquisições (M&A) reflete a ascensão de empresas inovadoras como protagonistas na economia global e o impacto dos ativos intangíveis como geradores de valor. Observa-se que, mesmo em negociações que não envolvem diretamente empresas associadas à proteção de propriedade intelectual, esses ativos frequentemente se tornam componentes centrais das transações, influenciando significativamente a valoração e, em certos casos, determinando a viabilidade da operação (Norwitz et al., 2023). Além disso, o dinamismo dos mercados globais e a crescente competição entre setores reforçam o papel estratégico desses bens na definição do sucesso de uma negociação, tornando sua análise detalhada um diferencial competitivo indispensável.
Na prática, operações de aquisição ou alienação de participação societária têm evidenciado que a análise da propriedade intelectual – realizada por meio da chamada due diligence – requer tanto um exame técnico detalhado quanto uma visão estratégica de longo prazo. Verificar a titularidade, validade e registro de marcas, patentes e direitos autorais é apenas o ponto de partida. Questões aparentemente secundárias, como cláusulas contratuais negligenciadas ou litígios em potencial, podem ter implicações profundas. Uma análise abrangente não só garante segurança jurídica, mas também proporciona a confiança necessária para avançar com a transação. Esse processo é particularmente relevante em setores onde a inovação é acelerada e a obsolescência tecnológica pode comprometer a sustentabilidade de negócios que não investem adequadamente em seus ativos intelectuais (Scafarone e Ponce, 2020).
Adicionalmente, é indispensável compreender como os ativos de propriedade intelectual se integram ao modelo de negócios e à estratégia da empresa em questão. Uma avaliação bem conduzida deve ir além do valor intrínseco desses bens, considerando seu papel na diferenciação competitiva e sua capacidade de gerar receitas futuras. Por exemplo, marcas com forte reconhecimento de mercado ou patentes que protejam inovações significativas podem representar vantagens decisivas em setores altamente concorridos, enquanto a ausência de proteção adequada pode expor a empresa a riscos que inviabilizem a operação. Esses aspectos tornam ainda mais evidente a importância de alinhar a gestão dos ativos intangíveis aos objetivos estratégicos da organização, garantindo que eles sejam efetivamente explorados como instrumentos de crescimento sustentável.
Nesse contexto, a due diligence de propriedade intelectual emerge como uma ferramenta indispensável para identificar riscos, maximizar o potencial dos ativos intangíveis e alinhar esses bens aos objetivos estratégicos do negócio. Mais do que verificar a conformidade documental e jurídica, essa etapa permite identificar oportunidades de otimização, propor ajustes necessários e assegurar maior eficiência na exploração econômica dos ativos. Para tanto, exige-se um olhar interdisciplinar, que abarque tanto os aspectos jurídicos quanto os técnicos e mercadológicos, ampliando a perspectiva tradicional de análise desses bens.
Por fim, a due diligence de Propriedade Intelectual transcende a simples checagem de conformidade legal, tornando-se um processo que alia rigor técnico à visão estratégica. Identificar vulnerabilidades, reconhecer o valor criativo dos ativos e compreender sua conexão com a estratégia de longo prazo da empresa são passos essenciais para o sucesso de uma transação. Em um cenário de M&A, os ativos intangíveis não são apenas registros formais, mas peças-chave na construção de valor e no fortalecimento da competitividade da organização. Ignorar essa dimensão pode significar abrir mão de vantagens cruciais que diferenciam negócios bem-sucedidos em mercados cada vez mais competitivos.
Heitor Santos Nunes
Marcus Von Mühlen
Referências
BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual: Tomo I./ Denis Borges Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
NORWITZ, Trevor; CHEN, Ronald; GOLDBERG, Selwyn; ADLERSTEIN David; SHARER, Nicole; MIROFF, Maxim. Intellectual Property Issues in M&A Transactions. Made by the law firm Wachtell, Lipton, Rosen & Katz. Nova York, 2023.
SCARAFONI, Vinicius; PONCE, Ricardo. Propriedade intelectual em operações de M&A: análise prática e jurídica. Revista de Direito Empresarial, São Paulo, v. 45, n. 3, p. 23-40, 2020.