Direito de preferência na aquisição de imóveis locados e a existência de cláusula de vigência
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
- 10 de nov. de 2022
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A realização de um único empreendimento imobiliário pode demandar a aquisição de dezenas de imóveis, sobre os quais geralmente há construções ocupadas, destinadas à moradia ou ao comércio, sendo que cada um desses imóveis traz consigo sua própria história, carregada de particularidades que precisam ser examinadas em detalhes.
A existência da locação, pode parecer uma situação relativamente simples em um primeiro julgamento, contudo, se deixar de ser observado minuciosamente o cumprimento das obrigações legais, pode causar uma série de problemas e trazer prejuízos ao empreendimento que se pretende desenvolver.
A Lei 8.245/1991, Lei do Inquilinato, estabelece regras de direito material e processual que devem ser observadas pelas partes e mesmo por terceiros em toda locação de imóveis urbanos, sendo que, algumas disposições visam à proteção do Locatário (ou Inquilino), em tese, a parte mais vulnerável a relação locatícia.
Uma situação é a impossibilidade de o locador reaver o imóvel antes do prazo estipulado em contrato, ou seja, estando o locatário em dia com suas obrigações, não pode o proprietário decidir unilateralmente pôr fim ao contrato se houver prazo definido. Assim, é notório que, ao receber uma proposta de aquisição por uma incorporadora, não pode o locador simplesmente desfazer o contrato para proceder ao negócio que lhe seja mais vantajoso.
Isto não quer dizer, é claro, que o proprietário esteja privado de seu direito de dispor do bem, existem apenas restrições legais, como o direito de preferência, instituto pelo qual, em caso de proposta de aquisição por terceiro, o negócio deve ser oportunizado tanto por tanto ao locatário, cuja inobservância pode gerar ao locatário o direito de haver para si o imóvel em juízo.
Por este motivo a incorporadora deve ser extremamente cautelosa e se certificar de que os requisitos da notificação de oferecimento ao direito de preferência, previsto nos artigos 27 e seguintes da Lei do Inquilinato foram atendidos perfeitamente e o inquilino foi corretamente cientificado acerca dos termos do negócio.
Outro ponto importantíssimo com grande potencial de gerar atritos é a chamada cláusula de vigência, pois, via de regra, o adquirente de um imóvel locado pode denunciar a locação, concedendo prazo de 90 dias para desocupação. Ocorre que, sendo a locação por prazo determinado, constando do contrato cláusula de vigência e estando o contrato registrado na matrícula do imóvel, o adquirente acaba sendo obrigado a respeitar o término do prazo da locação.
Importante também analisar com cautela o contrato de locação celebrado, a fim de observar se consta alguma obrigação e/ou acordo estabelecido entre proprietário e locatário em caso de alienação, pois, pode ocorrer de as partes estabelecerem no contrato de locação a obrigação de o proprietário dar ciência ao possível adquirente sobre a referida locação, comprometendo-se inclusive a fazer constar do compromisso de compra e venda uma cláusula de respeito à locação existente.
Vejamos, não se trata de cláusula de vigência expressa, contudo, deve a incorporadora/adquirente se atentar, pois, ainda que o contrato de locação não tenha sido levado à registro na matrícula do imóvel, ou seja, não lhe tenha sido conferida publicidade e, portanto, oponibilidade erga omnes, poderia ser possível provar que o adquirente tinha ciência inequívoca da existência da locação e que se comprometeu a respeitá-la.
Sobre isso, o STJ decidiu em sede de Recurso Especial julgado em 1992, que a cláusula de vigência por si só sem o devido registro na matrícula não seria suficiente para obstar a denúncia, observando-se, assim, entendimento que valoriza o dispositivo legal. No mesmo sentido em outra decisão, desta vez do TJSP de 2004 em que se afirmou que o dever de respeito à locação em curso deriva de “blindagem” contra a denúncia por procedimento definido em lei e não por mera ciência do adquirente.
Em sentido oposto e em decisão mais recente também em sede de REsp o STJ decidiu que, com base no princípio da boa-fé, em tendo havido ciência inequívoca do adquirente, mesmo sem averbação do contrato de locação, teria o adquirente obrigação de respeitar a locação, pois a finalidade do registro teria sido atingida, ressalva-se apenas que além de ciência o adquirente se comprometeu no compromisso de compra e venda a respeitar a dita locação.
De acordo com o quanto comentado acima, importante ressaltar que na aquisição de imóveis locados, devem ser observadas, além das situações comentadas, o cumprimento das demais obrigações legais previstas na Lei do Inquilinato, assim como os termos da negociação entabulada entre adquirente e o vendedor, a fim de afastar eventuais riscos que possam causar prejuízos ao empreendimento que se pretende desenvolver.
Ricardo Nakamura Leite