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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Direitos e Deveres de Vizinhança: Equilíbrio e Convivência no Direito Civil

Quem nunca ouviu a famosa frase “o seu direito termina onde começa o direito do outro”? Uma situação muito comum atualmente, especialmente nos grandes centros urbanos, diz respeito a conflitos entre pessoas e empresas que residem, trabalham ou se localizam em propriedades próximas umas às outras – pois, muitas vezes, a satisfação do direito de uma parte pode provocar restrições, ou até mesmo violar os direitos de seu vizinho.

 

Justamente visando a solucionar esse tipo de conflito, o direito de vizinhança, um ramo específico do direito civil, regula as relações entre proprietários de imóveis contíguos ou próximos, garantindo a coexistência pacífica e respeitosa. A relevância dessas normas se torna evidente à medida que a urbanização intensifica a proximidade física entre propriedades, potencializando conflitos que, muitas vezes, giram em torno de questões como barulho, poluição, mau cheiro, árvores e vegetação invasiva, animais de estimação, desordem e outras interferências.

 

O conceito central do direito de vizinhança é a limitação do uso da propriedade privada para evitar prejuízos aos vizinhos, assegurando que o exercício de direitos individuais não comprometa o bem-estar coletivo. Essa concepção destaca que o direito de vizinhança se impõe pela necessária harmonização da convivência social, tornando imperativo um uso apropriado da propriedade.[i] 

 

No Brasil, o direito de vizinhança está ancorado no Código Civil (CC), que dispõe sobre os limites ao direito de propriedade e busca evitar que o uso de um imóvel cause danos ou incômodos aos vizinhos. Assim, o CC estabelece que o proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Essa disposição legal é frequentemente invocada em ações judiciais com vistas a coibir atividades consideradas prejudiciais, como aquelas que resultam em ruído excessivo, poluição atmosférica ou de águas, trepidações etc.

 

Entre as obrigações inerentes ao direito de propriedade, está a necessidade de seu titular proporcionar um uso racional.[ii] Essa perspectiva constitui o pilar fundamental dos direitos de vizinhança: a observância do uso racional da propriedade – e a vedação ao seu uso anormal. É esse tipo de utilização que o Código Civil busca coibir por meio das normas relativas aos direitos de vizinhança.

 

Um exemplo típico e bastante ilustrativo de conflito de vizinhança ocorre quando um shopping center, um empreendimento de grande porte que atrai considerável movimentação de pessoas e veículos, e um edifício residencial adjacente entram em desacordo devido ao barulho produzido pelas atividades do shopping. Esse barulho pode ter diversas origens, como música alta em eventos, a operação de equipamentos de grande porte (como geradores e sistemas de ar-condicionado), e até mesmo o ruído gerado pelo tráfego de veículos nas áreas de estacionamento e pelos transeuntes no local. Esse cenário coloca em evidência as complexidades envolvidas na aplicação das normas de direito de vizinhança, que buscam equilibrar os direitos do shopping e seus condôminos, de um lado, e o bem-estar dos moradores do edifício residencial, de outro.

 

Em casos que envolvem grandes centros comerciais e prédios residenciais, os moradores destes podem alegar que o barulho gerado pelas atividades daquele é prejudicial ao seu bem-estar, comprometendo seu direito ao sossego, à saúde e à segurança, garantidos pelo direito de vizinhança. A situação pode se agravar se os ruídos ocorrem no período noturno, quando o direito ao repouso é ainda mais valorizado. Os moradores, sentindo-se prejudicados, poderiam demandar intervenção judicial, solicitando, por exemplo, uma liminar para cessar ou limitar as atividades ruidosas do shopping, ou ainda a adoção de medidas compensatórias, como a instalação de barreiras acústicas.

 

Por outro lado, o shopping center, ao ser acionado judicialmente, pode argumentar que suas atividades estão em conformidade com as regulamentações municipais que estabelecem limites de ruído. Pode também alegar que, como empreendimento de grande porte, sua operação é vital para a economia local, gerando empregos e promovendo o desenvolvimento da região. Além disso, pode se defender argumentando que tomou todas as medidas tecnicamente viáveis para mitigar o impacto sonoro, como a instalação de barreiras acústicas e a limitação dos horários de funcionamento de determinadas atividades.

 

A análise jurídica de um conflito de vizinhança como este deve considerar diversos fatores. Primeiramente, é crucial avaliar se o barulho gerado ultrapassa os limites do tolerável. Esse conceito, embora previsto em lei, é subjetivo e precisa ser interpretado com base nas circunstâncias específicas do caso. Os tribunais brasileiros frequentemente utilizam o princípio da razoabilidade para determinar se o incômodo causado por uma propriedade vizinha é aceitável ou se configura abuso do direito de propriedade. Esse princípio busca equilibrar os direitos em conflito, levando em conta o impacto das atividades de uma propriedade sobre a vizinhança e a relevância dessas atividades para a comunidade em geral.

 

Nesse sentido, o art. 1.227 do Código Civil estabelece que as interferências ou atos prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde capazes de causar conflitos de vizinhança podem ser classificados em três espécies: ilegais, abusivos e lesivos.[iii]

 

Notadamente mais comuns são as interferências lesivas, atos que causam danos ao vizinho, embora o agente não esteja fazendo uso anormal de sua propriedade e a atividade tenha sido até autorizada por alvará expedido pelo Poder Público. Uso anormal inclui tanto o ilícito, quanto o abusivo, em desacordo com a finalidade econômica ou social da propriedade, a boa-fé ou os bons costumes.

 

O Código Civil, em seu artigo 1.279, também prevê que os proprietários de imóveis são obrigados a tolerar os atos necessários à reparação ou construção de edificações vizinhas, desde que esses atos sejam realizados da maneira menos prejudicial possível à segurança, ao sossego e à saúde dos habitantes dos imóveis afetados. No caso de um grande empreendimento comercial, por exemplo, essa disposição pode ser invocada para justificar intervenções que, apesar de necessárias para a manutenção e operação do empreendimento, devem ser conduzidas com cautela para minimizar o impacto negativo sobre a vizinhança.

 

Além das normas do Código Civil, a legislação ambiental e as regulamentações municipais que tratam do controle de ruídos desempenham um papel importante na resolução de conflitos de vizinhança. Em muitas cidades brasileiras, existem leis que estabelecem limites para os níveis de ruído, especialmente em áreas residenciais. Essas normas geralmente são mais rígidas em horários noturnos, quando o direito ao repouso dos moradores é prioritário. Se um estabelecimento comercial (como o shopping center antes mencionado) estiver em conformidade com esses limites regulamentares, isso poderá ser utilizado como um argumento de defesa robusto. No entanto, é importante destacar que o simples cumprimento das normas regulamentares não exime o responsável do dever de evitar danos aos vizinhos, conforme estabelece o artigo 927 do Código Civil, que trata da responsabilidade civil.

 

Diante de um conflito de vizinhança, as partes envolvidas têm a opção de buscar uma solução amigável, por meio de negociação direta ou com o auxílio de advogados, ou, ainda – se as tentativas de composição forem infrutíferas –, recorrer ao Poder Judiciário.

 

Na hipótese de um conflito entre um shopping center e um edifício residencial, relatada no início do artigo, uma solução mediada poderia envolver a implementação de medidas adicionais de isolamento acústico por parte do shopping, como a instalação de painéis fonoabsorventes ou o redesenho das áreas de carga e descarga para minimizar o ruído. Além disso, poderia ser acordada a limitação de certas atividades mais ruidosas, como a realização de eventos em horários mais sensíveis para os moradores. Em contrapartida, os moradores poderiam se comprometer a não obstruir a operação regular do shopping, reconhecendo a importância econômica do empreendimento para a comunidade local.

 

Os tribunais, por sua vez, em sua maioria, adotam uma postura equilibrada, reconhecendo tanto o direito de propriedade, quanto a necessidade de garantir o sossego e a saúde dos vizinhos. Um exemplo relevante é o recente julgamento da apelação cível n.º 50041052120178210052 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que ratificando a decisão de primeiro grau que condenou uma fábrica de celulose a pagar indenização por danos morais aos vizinhos (autores) que residem em frente ao estabelecimento, por excesso de ruído, mau odor e fuligem.

 

Por outro lado, há decisões judiciais que reconhecem que o incômodo causado por uma atividade econômica essencial não ultrapassa os limites do tolerável. Um exemplo disso é o caso do Recurso Inominado n.º 50252306520228210021, oriundo das Turmas Recursais do Estado do Rio Grande do Sul, que considerou que o réu tinha o direito de proteger seu estabelecimento, mesmo diante de alegação de perturbação de sossego por um vizinho, em razão de disparo de alarme de segurança do local. Para tanto, coube ao réu demonstrar o funcionamento regular do alarme, indicando a não ocorrência de disparos injustificados, bem como a observação da Lei municipal que estabelece o nível máximo de ruído durante a noite.

 

Em conclusão, o direito de vizinhança desempenha um papel essencial na resolução de conflitos entre proprietários de imóveis, especialmente em contextos urbanos, onde a proximidade entre propriedades pode gerar tensões. O caso de um shopping center, restaurante, casa noturna ou até mesmo outro grande empreendimento comercial, que gera barulho ou incômodo para um edifício residencial adjacente, exemplifica os desafios inerentes à aplicação dessas normas, que devem sempre buscar o equilíbrio entre os direitos individuais e o bem-estar coletivo. A solução desses conflitos requer uma análise detalhada dos fatos, a aplicação criteriosa da legislação e, muitas vezes, a adoção de abordagens alternativas de resolução, como a intermediação por terceiros, que pode promover uma convivência harmoniosa entre vizinhos. Em última instância, cabe ao Poder Judiciário assegurar que o direito de vizinhança seja respeitado, protegendo tanto o direito de propriedade quanto os direitos à saúde, segurança e sossego dos indivíduos.

 

Nesse sentido, a negociação extrajudicial e a via judiciária ganham destaque como instrumentos valiosos na prevenção e solução de conflitos. Enquanto o direito de vizinhança busca harmonizar os interesses em jogo, promovendo a convivência pacífica, cabe às partes envolvidas adotarem uma postura proativa na busca por soluções consensuais, reconhecendo que, em um ambiente urbano, a cooperação e o respeito mútuo são fundamentais para garantir a qualidade de vida de todos.

 

Assim, em um cenário de conflitos legais, a presença de advogados especialistas é crucial para a construção de soluções eficazes e justas, elaborando estratégias bem fundamentadas e garantindo que os direitos de seus clientes sejam respeitados e que as soluções alcançadas sejam duradouras e justas. Portanto, contar com uma assessoria jurídica qualificada é essencial para enfrentar os desafios legais com segurança e confiança. A Equipe Cível do escritório Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados Associados está pronta e disponível para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o assunto.


Carina Aguaidas

Rochelle Borsatto de Oliveira Martins


 

[i] FERNANDES, Alexandre. Direito civil: direitos reais. 2. ed. rev. e ampl. Caxias do Sul, RS. Educs. 2016. p. 167.

[ii] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. 8. ed. rev. e atual. Belo Horizonte, MG. Del Rey. 2021.

[iii] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas, vol. 5. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 353-354. 

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