Recentemente, foi noticiada a concessão das primeiras medidas liminares determinando a exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Tais ações decorrem das alterações realizadas pela Lei 14.789/2023, a qual estabeleceu novas regras sobre o tratamento tributário de subvenções para investimento.
Desde 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua Primeira Seção, havia firmado o entendimento quanto à impossibilidade de se reconhecer renda ou lucro, fatos geradores do IRPJ e da CSLL, sobre créditos presumidos de ICMS, concedidos pelos Estados-Membros ou pelo Distrito Federal, como incentivo fiscal a empresas. À época, o STJ assentou que a tributação federal, pelo IRPJ ou pela CSLL, de benefícios fiscais de ICMS, sob a forma de créditos presumidos, atentaria contra o pacto federativo, enquanto garantia constitucional (STJ, EREsp n. 1.517.492/PR, relator Ministro Og Fernandes, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 8/11/2017, DJe de 1/2/2018). O posicionamento do STJ vem sendo acolhido pelos Tribunais Regionais Federais, afastando a sujeição dos créditos presumidos de ICMS à tributação pelo IRPJ ou pela CSLL.
Mais recentemente, o próprio STJ, em abril de 2023, ao examinar o Tema Repetitivo nº 1.182 (fixado no julgamento do Recurso Especial nº 1.945.110/RS e do Recurso Especial nº 1.987.158/SC), reafirmou o entendimento quanto à impossibilidade de impor a incidência de tributos federais sobre renda ou lucro em relação aos créditos presumidos de ICMS. A Corte ressalvou, porém, a possibilidade de os demais benefícios fiscais de ICMS, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros, serem incluídos na tributação de IRPJ e de CSLL, salvo quanto atendidos os requisitos legais, então vigentes, para o tratamento como subvenção de investimentos, veiculados no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 e no art. 10 da Lei Complementar nº 160/2017, como o registro em reserva de lucros, somente utilizável para absorção de prejuízos ou para aumento de capital.
Nesse importante julgamento do STJ, de abril de 2023, cujo acórdão somente veio a ser publicado em junho do mesmo ano, compreenderam os contribuintes o pleno reconhecimento do direito que já havia sido assegurado ainda em 2017, quanto à exclusão dos créditos presumidos de ICMS da tributação de IRPJ e de CSLL, sem qualquer restrição ou exigência quanto ao tratamento como subvenção para investimento. A controvérsia residiria apenas em relação aos demais benefícios fiscais de ICMS, diversos do crédito presumido (redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros), para os quais caberia a obediência aos parâmetros legais das subvenções para investimento, sob pena de sujeição à tributação federal.
Menos de dois meses se passaram da publicação do acórdão do STJ no Tema Repetitivo nº 1182, quando os contribuintes foram, de certa forma, surpreendidos pela veiculação da Medida Provisória nº 1.185, de 30 de agosto de 2023. Esse novo ato normativo revogava o art. 30 da Lei nº 12.973/2014 e estabelecia toda uma nova regulação das subvenções para investimento, criando um modelo de crédito fiscal, passível de compensação com IRPJ, apurado de forma subsequente à concessão da subvenção outorgada pela própria União, pelos Estados-Membros, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, mediante prévio procedimento de habilitação junto ao fisco federal. A referida medida provisória veio a ser convertida na Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023, publicada no apagar das luzes do ano passado (edição extra do Diário Oficial de 29.12.2023).
Com a nova Lei nº 14.789/2023, voltam fisco federal e contribuintes a debater conceitos e regimes jurídicos examinados e decididos ao longo de anos de discussões judiciais. Quando se supunha uma orientação finalmente definitiva sobre a matéria, fruto dos julgamentos proferidos pelo STJ em 2017 e em 2023, todo um novo regramento legal é aprovado, revogando-se a legislação anterior.
É nesse contexto que diversos contribuintes retornaram, com novas ações, ao Poder Judiciário, buscando a reafirmação da jurisprudência pacificada e consolidada do STJ, quanto ao tratamento dos créditos presumidos como incentivos fiscais não passíveis de tributação pelo IRPJ ou pela CSLL, mesmo com a superveniência da Lei nº 14.789/2023.
Segundo sustentam as empresas, a nova regulação da matéria trazida pela Lei n.º 14.789/2023 não significa que agora deva ocorrer a tributação pelo IRPJ e CSLL dos valores correspondentes ao crédito presumido. Com efeito, o STJ, no EREsp n.º 1517492/PR, assentou que, em face do princípio federativo, não seria lícito à União tributar como renda ou lucro, créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados -Membros ou pelo Distrito Federal, por representarem mero incentivo fiscal. Haveria uma clara ofensa ao pacto federativo, o governo federal não pode tributar um incentivo dado pelo Estado, voltado para atrair empresas e fomentar a competitividade.
Nas ações em que houve a concessão de liminar[i], há também a necessária discussão sobre o conceito de renda e faturamento, pois o benefício fiscal concedido pelos Estados, ao outorgarem os créditos presumidos, não geraria um acréscimo patrimonial.
Sobre o tema, cabe destaque aos efeitos e aos limites da coisa julgada, alcançada por medidas judiciais previamente ajuizadas pelos contribuintes, atinentes à exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Em se tratando de decisões que asseguraram essa exclusão, na linha dos fundamentos empregados pelo STJ, baseados na garantia constitucional do pacto federativo, não necessariamente a revogação do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 ou a nova regulação do tratamento das subvenções para investimento, pela Lei nº 14.789/2023, geram a perda da eficácia da coisa julgada. Certamente, o tema será objeto de novos embates entre fisco e contribuintes.
Percebe-se, em verdade, que a revogação do art. 30 da Lei n.º 12.973/2014 está longe de ter o condão de afastar, definitivamente, a possibilidade de se excluir os créditos presumidos de ICMS da IRPJ e da CSLL. Não se tratando de casos alcançados pela coisa julgada obtida em processos anteriores, resta plenamente possível o ingresso de novas medidas judiciais, para garantir esse direito ao contribuinte afetado pela publicação da Lei nº 14.789/2023.
Edmundo Cavalcanti Eichenberg
Lisie Neves Schreinert
[i] MS nº 1001314-41.2024.4.01.3400, JFDF; MS nº 5038077-98.2023.4.03.6100, JFSP.