Aspectos jurídicos e econômicos da valoração patrimonial em dissoluções parciais de sociedades
A saída de sócio ou acionista de uma sociedade empresária, seja voluntária, mediante o exercício do direito de retirada, ou forçada, por ordem judicial em razão de falta grave devidamente comprovada, sempre gera implicações estruturais, financeiras e legais para a sociedade parcialmente dissolvida. Essa mudança afeta não apenas a sua composição societária, mas também o equilíbrio interno da sociedade e sua relação com terceiros.
No momento da constituição de uma sociedade, prevalece, em geral, um clima de otimismo e celebração pela nova empreitada conjunta. A possibilidade de uma eventual dissolução raramente é considerada, sendo frequentemente obscurecida pelo entusiasmo e pela urgência que acompanham o nascimento da pessoa jurídica. Quando cogitada, a dissolução é vista como algo remoto e quase inconcebível, motivo pelo qual muitos instrumentos constitutivos deixam de abordar adequadamente essa questão.
Como resultado dessa perspectiva limitada, os documentos societários tendem a focar em aspectos como a estruturação interna da sociedade, as deliberações entre sócios e, sobretudo, a distribuição – em tempo e forma - dos lucros ou dividendos aos mesmos. Consequentemente, questões relacionadas à dissolução parcial e o pagamento da parcela social do sócio que deixa a empresa acabam relegadas a um plano secundário, sendo comumente disciplinadas em conformidade com a legislação aplicável.
Para a dissolução parcial de uma sociedade em relação a um de seus sócios, é imprescindível determinar o valor de sua participação societária, que vai além do montante nominal atribuído à quota que compõe o capital social. Esse processo envolve a avaliação do valor real do equity do sócio retirante e, posteriormente, a apuração de haveres, que consiste no cálculo e pagamento do montante devido ao sócio que deixa a sociedade[1].
No âmbito das sociedades limitadas, o artigo 1.031 do Código Civil estabelece os critérios para a realização da apuração de haveres, indicando que referida apuração deve ser realizada com base na situação patrimonial da empresa no momento da resolução em relação ao sócio retirante, exigindo-se, para tanto, a elaboração de um balanço patrimonial específico que reflita fielmente as condições econômicas da sociedade na data de referência. Quanto às sociedades por ações, regradas pela Lei 6.404/76, em sendo silente o estatuto social, aplica-se por analogia o artigo 606 do Código de Processo Civil brasileiro, que estabelece que a apuração dos haveres do sócio retirante deve ser feita com base em balanço de determinação, avaliando ativos e passivos a preço de saída. A forma legal de apuração, para esses ambos os tipos jurídicos, logo, seguem uma mesma linha de raciocínio.
Em ambos os casos, embora a legislação determine que o balanço especial fixado sirva como base para a dissolução, persiste uma lacuna importante quanto à definição precisa do que compõe o patrimônio social, impactando diretamente o cálculo do montante devido ao sócio retirante. Um exemplo dessa indefinição é encontrato no recente julgamento do Recurso Especial 1.892.139/SP, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse caso, reconheceu-se a inclusão do fundo de comércio (estabelecimento comercial) na apuração de haveres, mas determinou-se a exclusão da expectativa de lucros futuros e do aviamento. Tal decisão evidencia a ausência de segurança jurídica sobre o tema, considerando a possibilidade de alteração na jurisprudência a qualquer momento.
Outro ponto de destaque é o prazo para pagamento dos haveres ao sócio retirante. De acordo com o artigo 1.031, § 2º, do Código Civil, o valor correspondente à participação do sócio de sociedade limitada deve ser quitado em até noventa dias após a liquidação. Esse prazo, embora estabelecido pela legislação, pode representar um grande desafio financeiro para a empresa, que pode ser obrigada a desembolsar, em curto espaço de tempo, uma quantia significativa. Essa exigência tem o potencial de comprometer a saúde financeira da sociedade e, em casos extremos, até inviabilizar suas operações.
Além disso, o STJ consolidou o entendimento de que a apuração de haveres deve seguir, prioritariamente, as disposições do contrato social da sociedade ou, na ausência de previsão expressa, as regras estabelecidas pela legislação pertinente. Esse posicionamento foi reafirmado no julgamento do Recurso Especial nº 2.020.490/SP, em maio de 2024, reforçando a importância de instrumentos societários bem elaborados para evitar disputas futuras, refletindo o conceito maiormente adotado pela doutrina jurídica[2].
Essas situações evidenciam a necessidade de se estabelecer, já no momento da constituição do ente social, termos claros para a apuração de haveres. Isso é essencial tanto em casos de retirada voluntária quanto em situações de exclusão por falta grave ou falecimento. No último caso, os haveres apurados devem ser pagos aos sucessores do sócio falecido, caso estes não optem por ingressar na sociedade.
Por fim, a definição de critérios objetivos para a saída de sócios, sejam eles voluntários ou forçados, deve ser prevista nos instrumentos constitutivos da sociedade ou em acordos de sócios. A transparência nesse processo não apenas protege os interesses dos sócios e da sociedade, mas também garante maior estabilidade para os demais elementos que coexistem na atividade comercial, como fornecedores, colaboradores e parceiros comerciais, promovendo confiança no mercado e reforçando a proteção da pessoa jurídica acima de interesses individuais.
Marcus Von Mühlen
Publicado em Jota.
[1]MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: sociedades empresárias. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2023.
[2]MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. v. 3.